ATA DA DÉCIMA NONA SESSÃO SOLENE DA PRIMEIRA SESSÃO LEGISLATIVA ORDINÁRIA DA DÉCIMA LEGISLATURA, EM 06.06.1989.

 


Aos seis dias do mês de junho do ano de mil novecentos e oitenta e nove reuniu-se, na Sala de Sessões do Palácio Aloísio Filho, a Câmara Municipal de Porto Alegre, em sua Décima Nona Sessão Solene da Primeira Sessão Legislativa Ordinária da Décima Legislatura, destinada a assinalar a passagem do Dia Mundial do Meio Ambiente e da Ecologia. Às dezoito horas e dezenove minutos, constatada a existência de “quorum”, o Sr. Presidente declarou abertos os trabalhos e solicitou aos Líderes de Bancada que conduzissem ao Plenário as autoridades e personalidades presentes. Compuseram a Mesa: Ver. Isaac Ainhorn, 1º Vice-Presidente da Câmara Municipal de Porto Alegre; Dep. Erani Müller, representando a Assembléia Legislativa do Estado do Rio Grande do Sul; Dr. Caio Lustosa, representando o Sr. Prefeito Municipal; Prof. Tuiskon Dick, representando a Universidade Federal do Rio Grande do Sul; Sr. Celso Marques, Presidente da Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural, AGAPAN; Sr. Fernando Gosmann, representando a FEPLAN; Ver. Gert Schinke, proponente da Sessão e, na ocasião, Secretário “ad hoc”. A seguir, o Sr. Presidente concedeu a palavra aos Vereadores que falariam em nome da Casa. O Ver. Vicente Dutra, em nome da Bancada do PDS, ressaltou a seriedade com que deve ser tratada a ecologia, comentando a devastação da natureza geralmente resultante do desenvolvimento urbano. Dizendo que o termo progresso não é sinônimo de agressão, analisou a necessidade e as formas viáveis de convivência pacífica do progresso com a preservação do meio ambiente. Defendeu a retomada de projetos sanitários com a participação da comunidade, anteriormente vigentes na Cidade, e a educação visando a conscientização do homem para a ecologia. O Ver. Vieira da Cunha, em nome da Bancada do PDT, falou de sua satisfação por participar da presente Sessão, declarando-se inteiramente identificado com a luta em defesa do meio ambiente. Salientou que essa luta é uma questão de sobrevivência humana, lembrando o trabalho e o assassinato do seringueiro e líder sindical Chico Mendes. Criticou o pensamento tecnocrata observado em nosso País, lendo partes do livro “O Pesadelo Atômico”, de José Lutzenberger, acerca do assunto. O Ver. Giovani Gregol, em nome da Bancada do PT, leu trechos de carta escrita pelo Cacique Seattle, no século passado, ao então Presidente dos Estados Unidos, Franklin Pierce, em que é expressado o significado da terra para os indígenas, bem como a importância da preservação do meio ambiente para a preservação do próprio homem. Lamentou que ainda se observe, no País, uma mentalidade voltada para o desenvolvimento a qualquer custo, sem a devida preocupação com a ecologia. Leu a poesia “A Flor e a Náusea”, do Poeta Carlos Drummund de Andrade. O Ver. Airto Ferronato, em nome da Bancada do PMDB, destacou que o Dia Mundial do Meio Ambiente deve constituir-se em um momento de intensa reflexão, declarando-se preocupado com o modelo desenvolvimentista brasileiro, o qual tem resultado em graves atentados à natureza. Lembrou o trabalho do Sr. José Lutzemberger e da Srª. Magda Renner, em prol do meio ambiente. Registrou, ainda, a existência, em Novo Hamburgo, do Movimento Roessler, cuja atenção tem se voltado principalmente para o lixo industrial e a despoluição do Rio dos Sinos. Após, o Sr. Presidente registrou as presenças, no Plenário, do Sr. José Carlos Mello D’Ávila, Diretor-Presidente da Empresa Porto-Alegrense de Turismo, e do Dr. Alberto Henrique Kruse, Diretor do Departamento de Esgotos Pluviais. O Ver. Gert Schinke, como proponente da Sessão e em nome das Bancadas do PCB, PTB, PSB e PL, analisou os questionamentos do movimento ecológico no terreno da estrutura econômica e dos valores ideológicos e culturais vigentes. Esclareceu o pensamento ecologista com relação à dívida externa, defendendo seu não-pagamento como necessário para a sustação do processo de destruição da natureza hoje em andamento no País. Atentou para o esgotamento e a destruição dos recursos naturais resultantes do modelo capitalista de sociedade, defendendo um sistema verdadeiramente socialista como positivo na busca da concreta harmonia com o meio ambiente. Comentou a importância, no referente ao assunto, da elaboração da Constituição Estadual e da Lei Orgânica Municipal. Em prosseguimento, o Sr. Presidente concedeu a palavra ao Sr. Celso Marques, Presidente da AGAPAN, que discorreu acerca das origens e da abrangência das atividades da AGAPAN e da importância de um maior envolvimento deste Legislativo na busca de soluções para o problema ambiental da Cidade. Após, o Sr. Presidente fez pronunciamento alusivo à solenidade e passou a direção dos trabalhos ao Ver. Gert Schinke, que concedeu a palavra ao Dr. Caio Lustosa, Secretário Municipal do Meio Ambiente, o qual expôs a posição da Administração Popular com relação ao meio ambiente, ressaltando os grandes problemas da Cidade na área e os parcos recursos existentes para a solução dos mesmos. Ainda, o Sr. Presidente concedeu a palavra ao Prof. Tuiskon Dick, representante da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, que comentou a importância da preservação do meio ambiente, destacando as atividades práticas das quais participa a UFRGS, relacionadas à Ecologia. Em continuidade, foram iniciados os debates relativos à questão ecológica, sendo convidados a participar da Mesa os Senhores Eduardo Carrion e Udo Mohr. A seguir, o Sr. Presidente concedeu a palavra a S.Sas., que discorreram acerca do assunto em discussão, em especial, quanto a necessidade da inclusão do pensamento ecológico na Constituição Estadual e na Lei Orgânica Municipal. Ainda, o Sr. Presidente registrou a presença, no Plenário, das Professoras Ana Maria F. Sachê, representantes da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência; Neusa Riquel, representante da SMED; Senhores Francisco Tormann, do Sindicato dos Arquitetos do Rio Grande do Sul; Carlos Comassetto, representante da SARGS; Francisco Milanês, representante da Sociedade de Biologia do Rio Grande do Sul; Carlos Sander, representante da Comissão Executiva do Elán e Flea; Senhoras Miriam Law, do Movimento de Defesa dos Parques da Cidade; Elcide Almin, do Núcleo de Ecologia do CEPERGS. Nada mais havendo a tratar, o Sr. Presidente levantou os trabalhos às vinte horas e quarenta e seis minutos, convidando os presentes a passarem ao Salão Nobre da Casa e convocando os Senhores Vereadores para a Sessão Ordinária de amanhã, à hora regimental. Os trabalhos foram presididos pelos Vereadores Isaac Ainhorn e Gert Schinke, este nos termos do § 3º do art. 11 do Regimento Interno, e foram secretariados pelos Vereadores Gert Schinke e Giovani Gregol, como Secretários “ad hoc”. Do que eu, Gert Schinke, Secretário “ad hoc”, determinei fosse lavrada a presente Ata que, após lida e aprovada, será assinada pelos Senhores Presidente e 1º Secretário.

 

 


O SR. PRESIDENTE: Informamos ao Plenário que falarão, em nome da Casa, os Vereadores Vicente Dutra, Vieira da Cunha, Giovani Gregol, Airto Ferronato e Gert Schinke.

Com a palavra, o Ver. Vicente Dutra.

 

O SR. VICENTE DUTRA: Sr. Presidente, Srs. Vereadores, demais componentes da Mesa, no momento em que a Câmara Municipal homenageia o Dia Mundial do Meio Ambiente, comemorando a data ontem ocorrida, a Bancada do PDS deseja registrar esta data de forma objetiva, porquanto entende que questões tão sérias, tão atuais como Meio Ambiente, ecologia, natureza devam ser abordadas sem devaneios, que muitas vezes confundem o assunto, por serem temas amplos demais e até ambíguos.

Muitas vezes, nestes momentos solenes, nos vemos tentados a fazer a apologia da natureza e isto é bom; é sempre bom e oportuno relembrar a supremacia dos bens naturais, sobre o uso desenfreado, inconseqüente destes legados.

O desenvolvimento urbano quase sempre impõe valores que, se por um lado beneficiam alguém ou um pequeno grupo, por outro, trazem prejuízos irreparáveis a toda coletividade.

As circunstâncias que influem no nosso momento atual são de tensões. O homem, peça primeira dessa engrenagem gigantesca, na maioria das vezes não assimila esse salto sócio-tecnológico que vivenciamos. Vê-se ele, a todo momento agredido pelo excesso de ruído nas cidades, pelo escapamento de canos de descarga dos veículos, pelos dejetos que infestam a água que toma, pela devastação indiscriminada da vegetação, que desumaniza e desnuda os centros urbanos; pelo excesso de painéis que produzem a poluição visual; pelos aerossóis que abrem buracos na camada de ozônio. Considere-se, ainda, o aumento da agressividade urbana que nos conduz a riscos de um crescimento desumano e descontrolado. Provoca o inevitável confronto do homem contra o homem. Confronto que induz à exploração e anomia e daí ao crime.

A questão fundamental: Progresso e Preservação, aparentemente irreconciliáveis, contudo são perfeitamente ajustados, porquanto o termo “progresso” jamais foi sinônimo de “agressão” e “desenvolvimento”, nunca será o mesmo que “devastação”.

Há que se estabelecer um ponto de equilíbrio em que se orientará o crescimento de uma cidade, mantendo suas riquezas naturais. Basta que se exercite aquilo que de mais precioso o homem possui e que o distingue dos irracionais: a inteligência.

O homem faz seus artefatos prospectarem o universo, através de engenhos de uma sofisticação até há pouco tida como ficção. Porque não poderá conciliar sua necessidade de habitar com a de viver? Será inútil a conquista de outros mundos se não conquistarmos a melhor forma de viver.

Senhores Vereadores, é nosso pensamento que para se atingir o ponto crucial deste grande tema denominado meio Ambiente que se determine claramente o que buscamos em termos de resultado. Os fatores devastadores e poluentes são conhecidos. Falta, no entanto, transformá-los. Essa realidade transformadora está intimamente ligada à conscientização que se induzirá por processos educacionais que serão os artífices no êxito deste propósito.

Esta Cidade vivenciou a experiência de um Plano Piloto que busca levar até a criança hábitos salutares, relativos ao meio ambiente, preparando-a para a correta disposição do lixo domiciliar. Com base neste trabalho propomos a continuidade deste projeto ajustando-o na abrangência de um plano ecológico.

Projeto esse que era desenvolvido e integrado pelo DMAE, pelo DMLU, que eu coordenava, pelo DEP e pela Fundação CESP, pela Secretaria da Saúde do Estado e pela FUNDASUL e tendo como peculiaridade a participação efetiva da comunidade. Este Projeto foi apresentado e foi avaliado por entidades como: ABES, CETESB, a ABLP e, até, pelo Banco Mundial, como formas e processos válidos de conscientização e participação comunitária e esta avaliação foi aprovada por essas entidades. O projeto de saneamento que hoje está sendo aplicado no Cairo e nas Filipinas nasceu aqui em Porto Alegre.

Então, este é o desejo da Bancada do PDS, que se induza um processo educacional, porque só através da conscientização nós realmente vamos buscar resultados positivos nesta questão do meio ambiente e que se retome novamente aquele projeto de saneamento básico tão importante, mas com a participação comunitária como se fazia naquela ocasião e concluímos dizendo que sempre com objetivos concretos foram atingidos esses projetos.

Retomados esses dois projetos teremos, sem dúvida, uma Cidade mais humana, mais saudável, que resuma perfeitamente a integração entre homem e natureza, entre o desenvolvimento e o meio ambiente. Muito obrigado.

(Não revisto pelo orador.)

 

O SR. PRESIDENTE: Com a palavra, o Ver. Vieira da Cunha pelo PDT.

 

O SR. VIEIRA DA CUNHA: Sr. Presidente, Srs. Vereadores, Senhoras e Senhores, cabe-me a honra de, na condição de Líder do PDT nesta Casa, representar minha Bancada nesta Sessão Solene em homenagem ao Dia Mundial do Meio- Ambiente.

E o faço com enorme prazer. Porque me sinto verdadeiramente identificado com a luta ecológica que, para mim, não tem fronteiras. A bandeira da preservação ambiental que, felizmente, a cada dia é empunhada por mais gente, é uma bandeira de todos nós, cidadãos do mundo preocupados com a sobrevivência da humanidade e com a garantia de condições dignas de vida às populações deste Planeta.

Defender o meio ambiente, sua harmonia e seu equilíbrio, passou a ser uma questão de sobrevivência dos povos, das futuras gerações, tal a fúria devastadora da mão do homem que tem provocado, ao longo dos anos, profundas e revoltantes feridas na natureza. Cicatrizar estas feridas e não deixar que outras surjam é a nossa luta.

Daí porque não poderíamos deixar de homenagear, nesta data, este que se tornou o símbolo da luta pela preservação da Floresta Amazônica. Refiro-me a Chico Mendes, cujo covarde assassinato alertou o mundo inteiro para o barbarismo a que estão submetidos os trabalhadores dos seringais da Amazônia, indefesos - tais quais os povos indígenas - ante a prepotência e a violência dos grandes proprietários de terras e poderosos grupos econômicos que agem, impunemente, agredindo e matando pessoas, além de destruir a floresta.

Tudo isto ocorre aqui no Brasil, para nossa indignação. Indignação tão bem traduzida pelo fundador do movimento ecológico do Rio Grande do Sul, Prêmio Nobel Alternativo José Lutzenberger, em seu livro “O Pesadelo Atômico”, quando diz:

“A tecnocracia, ávida de sempre maior concentração de poder, com seu pensamento tecnomórfico, põe preço em tudo, mas não conhece o valor de nada. Ela pressupõe que tudo é comprável ou substituível, como única exceção talvez, do Homem, quando não o consegue substituir por máquina. Ela não está preocupada em produzir coisas boas, belas, duráveis, ela só quer produtos descartáveis. Para quem tudo é descartável, nada é precioso. Diante da majestade da Hiléia Amazônica, o tecnocrata e seu capanga, o burocrata, só enxergam um “imenso vazio”. Para eles, a última grande selva quase intacta do Planeta não passa de mina de divisas a ser rapidamente explorada para a manutenção, sempre mais acelerada, do imbecil processo de demolição.

Se o desespero do ecólogo não se alastrar, a patologia do tecnocrata nos liquidará.”

Mas, felizmente, Sr. Celso Marques, o desespero do ecólogo alastra-se cada vez mais, organizada e conscientemente. “Homens e mulheres de todo o mundo se unem para impedir que, em nome de um falso desenvolvimento, se continue a agredir o meio ambiente. Porque não pode haver desenvolvimento às custas da destruição da natureza.

O egoísmo e a ganância - elementos sempre presentes na formação da mentalidade capitalista - estão cada vez mais cedendo lugar a uma visão solidária do mundo, em que os interesses individuais devem se subordinar aos coletivos.

Por isso, cresce a consciência ecológica. E crescerá ainda mais, na medida em que a ideologia capitalista for sendo substituída por uma nova visão de mundo, em que a exploração do homem pelo homem seja uma página virada da história da humanidade.

Chegaremos lá. Então, o homem passará a amar a natureza, porque viverá em harmonia social, em ambiente de paz, de igualdade e de respeito aos direitos humanos.

Lutemos por este novo tempo. Valerá a pena, tenho certeza! Muito obrigado!

(Não revisto pelo orador.)

 

O SR. PRESIDENTE: Fala pela Bancada do PT o Ver. Giovani Gregol.

 

O SR. GIOVANI GREGOL: Sr. Vereador Isaac Ainhorn, 1º Vice-Presidente da Casa, ora representando o Presidente da Casa, Ver. Valdir Fraga, Dep. Erani Müller, representando a Assembléia Legislativa do Estado do Rio Grande do Sul, Dr. Caio Lustosa, representando o Sr. Prefeito Municipal, Professor Tuiskon Dick, representando a UFRGS, Prof° Celso Marques, Presidente da Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural, Dr. Alberto Kruse, Diretor do Departamento de Esgotos Pluviais, Dr. José Carlos Mello D’Avila, Diretor da Empresa Porto-Alegrense de Turismo, Drª Miriam Low, Coordenadora do Movimento de Defesa dos Parques, Dr. Carlos Comassetto, representante da Sociedade de Agronomia do Rio Grande do Sul, Drª Eucide, representando o Centro de Professores do Estado, através de sua Comissão de Ecologia, Dr. Udo Mohr, superintendente de Parques, Praças e Jardins da SMAM. Nós, ecologistas, sempre afirmamos que o dia do meio ambiente, a rigor, são os 365 dias do ano. Também afirmamos e, infelizmente, isso não nos é agradável dizer, mas é uma constatação, nós temos muito o que comemorar, mas achamos importante marcar esta data, por isto estamos aqui e a Bancada do Partido dos Trabalhadores e a Bancada do Partido Socialista Brasileiro, pelas quais tenho a honra e a satisfação de falar nesta solenidade, entendem que a questão do meio ambiente muito ultimamente noticiada, ganhando grande repercussão na imprensa internacional, ainda assim merece mais espaço, mais compreensão e principalmente merece mais ação.

Queria ler aqui alguns pequenos trechos de um documento bastante conhecido de todos nós aqui, alguns trechos da Carta escrita em 1854, pelo chefe indígena Seattle, da tribo Duwamish ao então Presidente dos Estados Unidos, na época, Franklin Pierce, quando este Presidente, o grande chefe branco, chamado pelos índios, fez uma proposta de comprar a área tradicional desta tribo, prometendo-lhe em troca uma reserva. (Lê a Carta.)

“Tudo que acontecer à Terra acontecerá aos filhos da Terra. Como podereis vós comprar ou vender o céu, o calor, a terra? Se nós possuíssemos a frescura do ar e a frescura da água, de que maneira poderia V. Exª comprá-los? Cada pedaço desta terra é sagrado para meu povo. Cada espinho do pinheiro, cada rio murmurante, cada bruma nos bosques, cada clareira, cada zumbido de insetos é sagrado na lembrança e na vivência de meu povo.

A seiva que corre nas árvores lembra meu povo. Nós somos uma parte da terra e ela faz parte de nós. As flores perfumadas são nossas irmãs; o cervo, o cavalo, a grande águia são nossos irmãos.

As rochas escarpadas, o aroma das pradarias, o ímpeto de nossos cavalos e o homem - todos são da mesma família.

Assim, o Grande Chefe de Washington, mandando dizer que quer comprar nossa terra, está pedindo demais a nós índios. Manda o Grande Chefe dizer que nos reservará lugares onde poderemos viver, confortavelmente entre nós. Ele será nosso pai e, nós, seus filhos. Prometemos pensar, na vossa idéia de comprar nossa terra.

Mas não será fácil, pois esta terra, para nós é sagrada. A água cintilante que corre nos riachos e rios não é só água, mas, também, o sangue de nossos ancestrais. Os rios são nossos irmãos.

Eles saciam nossa sede, levam nossas canoas e alimentam nossos filhos. Se nós vendermos nossa terra, vós deveis vos lembrar e ensinar aos seus filhos que os rios são nossos irmãos e também vossos, e vós deveis doravante dar aos rios a ternura que mostrais para um irmão.

Sabemos que o homem branco não entende nossos costumes. Um pedaço de terra, para ele é igual ao pedaço de terra vizinha, pois é um estranho que chega, às escuras, e se apossa da terra de que tem necessidade.

A terra não é sua irmã, mas sua inimiga, e uma vez conquistada, o homem branco vai mais longe. Seu apetite arrasará a terra e não deixará nela mais que um deserto. Não sei, nossos costumes são diferentes dos vossos. A imagem de vossas cidades, faz mal aos olhos do homem vermelho. Mas, isso talvez seja porque o homem vermelho é um selvagem e não entende.

Não há mais lugar calmo nas cidades do homem branco; a barulheira parece estourar os ouvidos. O índio prefere o doce assovio do vento, lançando-se como uma flecha sobre o espelho de um lago, e o aroma do vento, molhado pela chuva do dia, ou perfumado pelo pinheiro.

O ar é precioso ao homem vermelho, pois todas as coisas participam do mesmo sopro - o animal, a árvore, o homem, eles dividem todos o mesmo sopro. O homem branco parece não lembrar do ar que respira. O vento, que deu a nosso avô seu primeiro fôlego, recebeu, também, seu último suspiro.

Pensaremos, portanto, na vossa oferta de comprar as nossas terras.

Mas, se decidirmos aceitá-la, eu porei uma condição: o homem branco deverá tratar os animais selvagens como irmãos. Vi mais de mil bizontes apodrecendo nos campos, abandonados pelo homem branco, que os abateu de um trem que passava.

O que é o homem sem os animais? Se os animais desaparecem, o homem morrerá dentro de uma grande solidão.

Ensinai também, a vossos filhos, aquilo que ensinamos aos nossos: que a terra é nossa mãe. Dizei a eles que a respeitem, pois tudo que acontecer à terra, acontecerá aos filhos da terra. Se os homens cospem no chão, eles cospem sobre eles mesmos. Ao menos sabemos isto: a terra não é do homem; o homem pertence à terra. Todas as coisas são dependentes. Não foi o homem que teceu a teia de sua vida, ele não passa de um fio dessa teia. Tudo que ele fizer para essa teia, estará fazendo para si mesmo.

Há uma coisa que sabemos, e que o homem branco descobrirá, talvez um dia: é que nosso Deus é o mesmo Deus e sua piedade é igual, para o homem vermelho e o branco. Esta terra lhe é preciosa e danificá-la é cumular de desprezo seu Criador.”

(Trechos da carta escrita em 1854, pelo chefe índio Seattle ao então Presidente dos Estados Unidos, Franklin Pierce, “o grande chefe branco de Washington”, que pretendia comprar uma imensa faixa territorial de sua tribo prometendo em troca uma “reserva”.)

Esse documento não só é profético como do ponto de vista científico ele é absolutamente exato. As leis descobertas pela Ciência da Ecologia comprovam todas essas palavras do cacique. E no Brasil sempre é bom falar em índio porque o índio sempre digo, são os primeiros brasileiros e nós temos muito, muito a aprender com os índios, com aquelas culturas que ainda vivem relativamente preservadas, que nós já extinguimos mais de 400 culturas de povos indígenas apenas em território brasileiro, e continuamos insistindo nesse processo. Mas esse dia, o “Dia Mundial do Meio Ambiente”, ele existe, ele foi criado por sugestão das Nações Unidas que fez uma primeira conferência internacional para tratar do meio ambiente, a data foi de cinco a dezesseis de junho de mil novecentos e setenta e dois, em Estocolmo. Naquela época o representante oficial do Governo Brasileiro disse, nesta conferência internacional, que a questão da poluição não preocupava o Governo Brasileiro, em plena época de ditadura militar, porque a maior poluição era a da miséria, e o Brasil precisava se desenvolver a qualquer custo, mesmo poluindo e se autodestruindo, portanto parece que essa mentalidade infelizmente continua ainda vigorosa e presidindo os interesses e as atitudes dos nossos governantes. Se não, vejamos o que o Presidente Sarney tem dito. Disse exatamente isto, está nos jornais, hoje, na “Folha de São Paulo” de hoje, ele disse ao FMI, disse aos Estados, disse às nações, principalmente às chamadas nações desenvolvidas a mesma frase, que a maior poluição é a poluição da miséria, em nome disto se justifica o descuido, a continuidade da destruição.

Hoje, na capa do mesmo jornal Folha de São Paulo, uma pequena notícia que eu me dou a liberdade de ler “Leônidas quer caçar animais no Pantanal. O Ministro do Exército Leônidas Pires Gonçalves, fará uma caçada na fazenda Varjão, de Trajano Silva, em Dourados/Mato Grosso do Sul, durante as manobras militares que simularão uma guerra no Pantanal em outubro, ele disse ontem que não há perigo para os animais e que as manobras não trarão danos ecológicos para esta região. A Ilha de Porto Carreiro será bombardeada, e não vai haver nenhum dano, nem ao meio ambiente, nem aos animais.”

Então, frente a estas coisas, depois de tantos anos de luta, nós aqui todos, a gente fica realmente estarrecido e convencido da certidão das palavras do Cacique Seattle e fica principalmente convencido de que a nossa luta ainda vai muito longe e vai exigir muito esforço e muito sacrifício. Neste sentido, eu queria dar um pequeno relato para vocês. Neste fim-de-semana, em São Paulo, houve uma reunião do Partido dos Trabalhadores da qual eu participei juntamente com uma delegação aqui de Porto Alegre, de ecologistas, de representantes do Núcleo de Ecologistas do PT, onde nós fechamos, nós concluímos as propostas do nosso Partido para o PAG - Meio Ambiente, ou seja, o Programa de Ação de Governo, do Luiz Inácio Lula da Silva, e nós temos uma responsabilidade, visto que o nosso candidato pode juntamente com outros vencer estas eleições e nós não podemos esperar a vitória ou a posse, para traçar algumas medidas, e este mesmo PAG, que fez outros encontros na área de Economia, da Saúde, de Energia, tem entre as suas diretrizes básicas, por exemplo, a distribuição da renda, com vistas à erradicação da miséria absoluta, redução das desigualdades regionais e ampla difusão dos benefícios gerados pelo desenvolvimento, que até hoje não aconteceu no nosso País. Pretende o desenvolvimento voltado para os interesses da maioria da população brasileira e da nação brasileira como um todo, o que também não tem acontecido, e uma nova qualidade de progresso. É um novo entendimento de progresso e desenvolvimento, com a valorização dos aspectos relacionados à vida, ao bem-estar e ao meio ambiente. Elaboramos uma série de propostas com relação à Amazônia e à reforma agrária. Sabemos que é impossível resolver o problema ambiental sem fazer uma reforma agrária digna desse nome. Não uma reforma agrária que se limite a uma mera divisão de terras que os grandes países capitalistas avançados já fizeram - os Estados Unidos fizeram no século passado, outra coisa não foi a famosa corrida para o oeste, infelizmente à custa das reservas e dos povos indígenas, mas temos de fazer, no Brasil, uma reforma agrária racional, sob controle dos trabalhadores do campo, que leve em conta, principalmente, as características ambientais de cada região, onde ela venha-se desenvolver. Características do solo, clima, corpos d’águas, as que também fazem parte do meio ambiente, culturais, antropológicas, históricas, de cada região. Um ecologismo bem-entendido inclui no meio ambiente não só os componentes físico-químicos e biológicos, mas também a sociedade. Tanto que constatamos que aquelas forças que exploram o homem, que pagam um salário de miséria, um salário-mínimo à pessoa humana, são as mesmas forças e os mesmos interesses, as mesmas pessoas e grupos que rapinam a natureza. Por isso, consideramos que a superação dessa sociedade só será alcançada, finalmente, numa sociedade onde pelo menos tenda para a extinção das classes. Sabemos que essa luta é longa, não temos uma receita para isso, principalmente quando constatamos que os países socialistas, ou que se dizem socialistas, ou são tidos como socialistas, também há graves problemas, nunca negamos esses fatos, há problemas ambientais graves e também há graves problemas sociais. Basta vermos o que acontece na China, hoje, para constatarmos que aquela população toda exige mudanças radicais, mudanças estruturais, só que, ao contrário do que publica a grande imprensa, eles não pedem democracia e restauração do capitalismo: eles pedem mais socialismo ou pedem socialismo de verdade. É importante termos isso presente. E o Partido dos Trabalhadores e o Partidos Socialista Brasileiro têm exatamente essa compreensão daqueles acontecimentos.

Mas, não quero falar, a não ser citar uma pequena frase de Herbert Marcuse, o grande teórico do movimento de renovação socialista, de maio de 1968, e do movimento ecológico internacional, quando dizia: “que a luta pela extensão do mundo da beleza, da não-violência, da calma e da vida é também uma luta política”.

Finalmente, se me permitirem, se tiverem paciência, gostaria de finalizar lendo uma pequena poesia do grande poeta Carlos Drummond de Andrade:

“A Flor e a Náusea

Preso à minha classe e a algumas roupas,/ Vou de branco pela rua cinzenta./ Melancolias, mercadorias espreitam-me./ Devo seguir até o enjôo?/ Posso, sem armas, revoltar-me?

Olhos sujos no relógio da torre:/ Não, o tempo não chegou de completa justiça./ O tempo é ainda de fezes, maus poemas, alucinações e espera.

O tempo pobre, o poeta pobre/ Fundem-se no mesmo impasse.

Em vão me tento explicar, os muros são surdos./ Sob a pele das palavras há cifras e códigos./ O sol consola os doentes e não os renova./ As coisas. Que tristes são as coisas, consideradas sem ênfase.

Vomitar esse tédio sobre a cidade./ Quarenta anos e nenhum problema/ resolvido, sequer colocado./ Nenhuma carta escrita nem recebida./ Todos os homens voltam para casa./ Estão menos livres mas levam jornais/ E soletram o mundo, sabendo que o perdem.

Crimes da terra, como perdoá-los?/ Tomei parte em muitos, outros escondi./ Alguns achei belos, foram publicados./ Crimes suaves, que ajudam a viver./ Ração diária de erro, distribuída em casa./ Os ferozes padeiros do mal./ Os ferozes leiteiros do mal.

Pôr fogo em tudo, inclusive em mim./ Ao menino de 1918 chamavam anarquista./ Porém meu ódio é o melhor de mim./ Com ele me salvo/ E dou a poucos uma esperança mínima.

Uma flor nasceu na rua!/ Passem de longe, bondes, ônibus, rio de aço do tráfego.

Uma flor ainda desbotada/ ilude a polícia, rompe o asfalto./ Façam completo silêncio, paralisem os negócios,/ Garanto que uma flor nasceu.

Sua cor não se percebe./ Suas pétalas não se abrem./ Seu nome não está nos livros./ É feia. Mas é realmente uma flor.

Sento-me no chão da capital do País às cinco horas da tarde/ e lentamente passo a mão nessa forma insegura./ Do lado das montanhas, nuvens maciças avolumam-se./ Pequenos pontos brancos movem-se no mar, galinhas em pânico./ É feia. Mas é uma flor. Furou o asfalto, o tédio, o nojo e o ódio.”

 

Com estas imortais palavras do grande poeta Carlos Drummond de Andrade, eu concluo porque é preciso poetizar e lembrar os poetas e as poesias em todas as horas, inclusive nas horas de luta. Muito obrigado.

(Não revisto pelo orador.)

    

O SR. PRESIDENTE: Com a palavra, em nome do PMDB, o Ver. Airto Ferronato.

A Mesa quer registrar, com satisfação, a presença do Diretor da Empresa Porto-alegrense de Turismo, José Carlos Mello D’Avila e do Diretor do DEP, Telmo Kruse.

 

O SR. AIRTO FERRONATO: Sr. Presidente, Srs. Vereadores, entidades que atuam na defesa do meio ambiente, aqui representadas, venho a esta tribuna para falar em nome da Bancada do PMDB, com assento nesta Casa. 

Cumprimento, inicialmente, o Ver. Gert Schinke, proponente desta Sessão Solene, manifestando desde já nossa solidariedade com sua atuação em prol da ecologia.

A passagem do Dia Mundial do Meio Ambiente e da Ecologia deve constituir-se num momento de intensa reflexão sobre as agressões que hoje sofrem os mais diversos ecossistemas que fazem parte do todo ecológico.

Vivi minha juventude em estreito contato com a natureza, tendo minha origem num dos mais belos vales brasileiros, o vale do rio Taquari. Desde muito cedo, tomei consciência da fundamental importância que representavam aquelas montanhas recobertas de matas, para a harmonia da convivência homem e meio ambiente.

Registro, neste momento, minha profunda preocupação com o processo de desenvolvimento brasileiro onde, em nome de um progresso, desordenado, diga-se de passagem, se praticam verdadeiros atentados contra nossos recursos naturais.

Viraram combustíveis para atender a sanha do avanço tecnológico das potências mundiais que, sem critérios, revolvem nosso solo, selvagem e impunemente, comprometendo sobremaneira a qualidade de vida do nosso povo.

Sabemos, por conseguinte, dada a limitação de recursos naturais disponíveis, que há uma necessidade óbvia de usar-se, tanto quanto possível, os recursos do trabalho, do capital, recursos naturais e a inteligência da comunidade, com a máxima eficiência.

Tal esforço aumenta o suprimento de mercadorias e, assim, minimiza o problema mais premente da sociedade, que é a escassez das coisas necessárias.

Contudo, a compulsão econômica, o esforço da produção, a procura frenética do bem-estar não podem nos conduzir pelos caminhos da destruição, beneficiando poucos em detrimento de muitos. Tenho convicção que, ao invés de procurarmos, a qualquer custo, o bem-estar, devemos, antes, participar de um esforço conjunto, na busca do estar-bem, cujo primeiro passo deve ser no sentido de preservar este patrimônio inestimável e inegociável, que é a nossa mãe natureza.

Devemos execrar aqueles que nascem, crescem e usufruem do seu seio para depois levantar as mãos contra ela. Se o momento é de reflexão e denúncia, por outro lado, cabe-nos, aqui, registrar o trabalho incansável de muitos gaúchos que desempenham um papel marcante e fundamental na defesa do meio ambiente.

Entre outros, gostaria de registrar e manifestar o reconhecimento pela sua atuação, em defesa da nossa ecologia, ao nosso José Lutzenberger. Todos nós conhecemos e acompanhamos de longa data sua trajetória de luta em busca do equilíbrio ecológico e de uma ação política mais racional neste sentido, onde as metas econômicas não devem constituir-se num fim em si mesmas mas apenas meio, onde o homem possa suprir suas necessidades sem golpear de morte nosso ambiente.

Evidencio também o salutar trabalho da Srª Magda Renner, Presidente da Associação Democrática Feminina Gaúcha, que presta serviço relevante e tem se mostrado grande defensora da causa ecológica.

Em Novo Hamburgo, registramos, com grande admiração, a existência do Movimento Roessler, cuja preocupação maior tem sido com o lixo industrial e despoluição do rio dos Sinos que, ontem, em ato público realizado naquela cidade, divulgaram uma carta-aberta para que a Constituinte Estadual seja “mais ecológica”.

Finalizando Sr. Presidente e Srs. Vereadores, a luta destes gaúchos, dentre outros, deve ser a nossa luta, em busca cada vez mais de uma maior consciência ecológica que, em síntese, se constitui na defesa da nossa própria vida e servindo de exemplo para gerações futuras, que serão os herdeiros de todo este legado ecológico que hoje defendemos e nos preocupamos em preservar. Muito obrigado.

(Não revisto pelo orador.)

 

O SR. PRESIDENTE (Isaac Ainhorn): O Ver. Gert Schinke, autor da proposição, falará em nome das Bancadas do PT, PTB, PSB, PL e PCB.

 

O SR. GERT SCHINKE: Ilustres companheiros militantes do movimento ecológico, companheiros presentes, Srs. Vereadores, Srs. integrantes da Mesa, companheiros Celso Marques, Prof° Tuiskon Dick, companheiro Caio Lustosa, Dep. Erani Müller, Ver. Isaac, presidindo os trabalhos e representando o Presidente desta Casa. Faço essa inversão das menções porque penso que isso representaria, da melhor forma, a inversão dos valores que propõe o real pensamento ecologista. Esse pronunciamento em nome das Bancadas do PCB, PTB, PSB e PL é dedicado a uma reflexão no terreno da estrutura econômica e dos valores ideológicos e culturais que o movimento ecológico questiona.

Iniciando pela crise nacional entendemos que o esgotamento do padrão de acumulação capitalista dependente e a subordinação da economia ao pagamento da dívida externa têm contribuído para aumentar o nível de degradação ambiental e da miséria social, sem precedentes, neste País. Evidentemente que entendemos que a exploração capitalista se combina com a exploração da natureza, com a rapina da natureza que é feita neste País, há 490 anos exatamente, e se iniciou com os portugueses, e cujos procedimentos, e a cultura se propagou durante os séculos, e continua cada vez mais arraigada, tendo, finalmente, como os grandes ocupadores, o Império do Norte, que é o imperialismo norte-americano, europeu e japonês, o não-pagamento da dívida externa é necessário para sustar o nível de destruição do ecossistema de nosso País. Por exemplo, o Projeto Carajás, que produz ferro-gusa no Pará, o alumínio no Maranhão e a produção de alumínio, consome grandes quantidades de energia, que obriga, também, à construção de grandes hidroelétricas. Esses são os complexos energívoros que o imperialismo transfere para os países periféricos. Esse fenômeno econômico se acentua notadamente nos últimos 25 anos no nosso País, a partir da instalação da ditadura militar. A energia vendida a preços subsidiados onera todos os consumidores e nós é que pagamos a conta, portanto, a conta que nós, contribuintes do Município pagamos, e nós, enquanto indivíduos, pagamos em nossas residências, está subsidiando os grandes complexos, os grandes investimentos hidroelétricos nucleares. Cada um de nós já contribui para pagar 10 milhões de dólares que estão sendo injetados no programa nuclear brasileiro, no entanto, nenhum de nós decidiu sobre esse programa nuclear. Pensamos que o Brasil deve aceitar a ajuda internacional e que, no nosso entender, é desvinculada da questão da dívida externa, porque se nós a vincularmos estamos aceitando, implicitamente, que existe essa dívida e que temos que pagá-la. Portanto, para nós, ecologistas, trocar a dívida externa por investimentos no meio ambiente não serve, não é solução de maneira alguma. Mais uma vez se repete aquela chantagem e a inversão dos fatos e dos valores quando aqui o Presidente da República vai à televisão e diz: “miséria é a pior das poluições”. O mesmo discurso que se fazia há 25 anos, rasgado, batido, não ilude mais os trabalhadores do Brasil, os intelectuais, a juventude e aqueles que pretendem transformar realmente essa Nação.

Eu, nos últimos dias, tenho escutado pelo rádio, pela televisão, pelos meios de comunicação de massa, uma enxurrada que nos dá verdadeira ânsia de vômito quando se escutam as declarações dos governantes falando em defesa do meio ambiente. Falam como se fossem grandes defensores do meio ambiente, como se fossem verdadeiros ecologistas. Se dizem amantes da natureza, no entanto, as suas políticas concretas, no terreno da economia, na agricultura, na saúde, na energia, são estas que dilapidam o meio ambiente. Querem iludir a nós, ecologistas, cientistas e ao povo em geral, fazendo belos discursos na Semana do Meio ambiente. Pois nós dizemos que o modo de produção capitalista, que implica na transformação da natureza pelo trabalho humano em mercadoria, transforma a natureza em mercadoria. Aliás, ele não transforma só a natureza em mercadoria, ele transforma a saúde das pessoas em mercadoria, ele transforma a educação, a cultura em mercadoria. Ele transforma o amor, também, em mercadoria. Este caráter eminentemente mercantil do sistema capitalista tem como conseqüência a destruição dos recursos naturais e encara, por conseqüência deste mecanismo, todas as coisas como meras mercadorias para servirem de lucro para especulação, para usufruto de meia dúzia de capitalistas.

Na economia de mercado predomina o interesse individual e que impede um planejamento em escala global. É por esta razão o atraso das políticas internacionais, da reorientação da política internacional em relação aos grandes fenômenos planetários, o atraso e o problema em resolver e encaminhar soluções concretas para a questão da degradação ambiental a nível planetário, porque o próprio capitalismo impede a solução e o encaminhamento destas questões. Nós consideramos que a sociedade socialista, na qual o poder político seja exercido pelas massas trabalhadoras e a economia seja democraticamente planificada, nesta sociedade o equilíbrio ecológico poderá ser atingido, mas nós não fizemos aqui a apologia barata do socialismo ou vendemos a idéia de qualquer socialismo. Volta e meia aparecem reportagens muito elucidativas sobre o que passa nos países chamados socialistas e aqui nós temos um panorama recentemente divulgado pela “Folha de São Paulo” sobre os maiores problemas ambientais na Europa Oriental, notadamente na União Soviética. Nós não nos iludimos, ou tentamos vender a imagem apenas dos países capitalistas que têm problemas ambientais. Não, não é verdade! No entanto nós achamos e temos a total convicção de que a economia planificada é um passo adiante para se chegar, um dia, a uma verdadeira situação de harmonia entre a sociedade e a natureza.

A tecnologia, criada e desenvolvida pelo modelo de produção capitalista também é uma coisa a ser questionada. Ela também não é neutra, mas pelo contrário, atende os interesses de quem a produziu. O molde de produção capitalista, concentrador de capital e de tecnologia está baseado em grandes plantas industriais, em grandes lavouras que produzem elevados impactos ambientais. Todos estes fenômenos todos nós, ecologistas, podemos denominar ou agrupar sobre uma denominação que se chama das tecnologias duras, mas nem tudo o que é tecnologia dura significa grande, imponente, majestoso, como por exemplo estas embalagens de spray que produzem o CFC e que são vendidas em supermercados, etc. Parecem tão delicadas, tão pequenas, no entanto isto é uma tecnologia dura. Poderíamos exemplificar comparando o automóvel com a bicicleta, o automóvel é uma tecnologia dura enquanto a bicicleta é uma tecnologia branda, porque ela não agride o meio ambiente, não polui, é uma tecnologia na qual, uma vez usada, não se criam aqueles danos que as chamadas tecnologias duras criam. E assim por diante nós poderíamos aqui trazer uma série de exemplos. Por exemplo, a energia nuclear, está aqui uma outra matéria publicada na “Folha de São Paulo” com a seguinte manchete: “Cientistas alemães dizem que Angra não tem segurança para funcionar”. É uma coisa que há muito tempo os ecologistas do Brasil e de todo o mundo vêm dizendo, só quem não quer acreditar nisso, são algumas pessoas que ainda têm ilusões, quanto a segurança, as garantias de segurança e qualidade da energia nuclear. Tem ainda fé nas chamadas tecnologias duras, como esta das usinas nucleares, como aquela dos sprays que são vendidos nos supermercados. Outro exemplo de tecnologia dura no contexto da agricultura, - aqui indústria e agricultura mudam o clima da terra -, é o tipo de agricultura que é praticada, a monocultura, e o tipo também de equipamento industrial que está sufocando o clima da terra, são exemplos, entre vários exemplos, de tecnologias duras que se aplicam tanto no campo, tanto na agricultura, como na cidade e no esquema industrial vigente. No entanto, nós também temos muitos exemplos a trazer de tecnologia e de alternativas que o movimento ecológico vem propondo e experimentando, como por exemplo, esta aqui que hoje eu tenho esses artigos, apenas de hoje, dos recolhidos nos jornais nos dias de hoje: “Publicitária descarta inseticidas e usa tomates para eliminar mosquitos”. É uma solução que parece tão trivial mas que na verdade comprova que existem soluções, tecnologias brandas que podem ser utilizadas, e que mais uma vez mostra que esses tipos de tecnologias não são incentivadas nem sequer pesquisadas porque elas não são do interesse do capitalismo. A sociedade capitalista de consumo de massa cria a nível do indivíduo necessidade de consumir cada vez mais mercadorias. Na maioria das vezes, supérfluas, o que além de ser ecologicamente insustentável cria tensões, stress nos indivíduos, provocando frustrações nos mesmos. São os freqüentes apelos que a sociedade de consumo coloca através dos meios de comunicação e que faz das pessoas consumidores cada vez mais ávidos. Isso vemos nas ruas; nos meios de comunicação, vemos sentados, em casa, na frente da televisão, sempre a sociedade de consumo procurando fazer com que consumamos cada vez mais. Se entrássemos num supermercado e analisássemos friamente, veríamos que 90% daqueles produtos são supérfluos. Eles em nada contribuem à qualidade de nossa vida. Isso é uma outra questão que o movimento ecológico coloca à tona: o questionamento desse consumismo desenfreado que existe na sociedade capitalista, portanto, a reorientação geral desse esquema. Portanto, em última análise, o real pensamento ecologista coloca-nos a superação dessa sociedade de consumo, porque entende que ela é insustentável a longo prazo. A continuar as coisas assim como estão, realmente vamos ver, em curto espaço de tempo, talvez poucos anos depois do ano 2.000, o esgotamento de inúmeros recursos naturais, entre eles, o petróleo. Aí não vamos ter mais uma pequena crise do petróleo, como em 1972, mas teremos uma onda de crise de energia que vai-se propagar e se combinar com outras crises de falta de outros recursos naturais como o esgotamento da água potável, como o esgotamento das terras férteis, etc.

Como alternativa a essa sociedade desumana, defendemos uma sociedade socialista e ecologicamente equilibrada e auto-sustentável, baseada na solidariedade, na cooperação mútua que permita a plena realização do ser humano. Encerrando, faço um apelo, mais uma vez, como constantemente é feito pelo Movimento Ecologista, às lideranças aqui presentes, notadamente àqueles que ocupam postos de decisão que influem no poder de decisão das coisas, de como elas funcionam, aos ilustres e nobres companheiros Vereadores, aos companheiros liderantes do movimento social, aqui presentes, aos administradores da nossa administração, infelizmente este não é o público a quem deveríamos dirigir este apelo, talvez ele teria uma eficiência maior se dirigido às pessoas que aqui não estão. É um apelo para que procurem entender a questão ecológica como uma questão que não deve ser encarada imediatistamente, que deve ser plantada para que as futuras gerações colham os resultados das nossas iniciativas. Isso questiona profundamente também a ótica de fazer política, a ótica de fazer política fazendo inauguração de obras em véspera de eleição, porque a problemática ecológica exige soluções a longo prazo, no mínimo a médio prazo. Ao plantarmos uma árvore, reflorestarmos uma área, tratarmos da poluição de um rio, regenerarmos as terras tornando-as novamente férteis, nós estamos tomando a iniciativa de uma coisa que vai ter resultados daqui apenas 10, 15, 20, talvez 50 anos ou mais. Nisso vejo grande significado de algumas iniciativas que estão sendo tomadas hoje em dia. E levantando outro aspecto aqui, que nos interessa de perto por sermos legisladores, por estar nas nossas mãos um momento importante que é a véspera de deliberarmos sobre uma Lei Orgânica Municipal e logo após faremos um pequeno e modesto debate. Espero ser produtivo sobre isso. Nós temos que analisar um pouco retroativamente, observar que o movimento ecológico embora obtendo alguns avanços na Constituinte Federal, teve também sérias derrotas; não conseguimos passar a proibição da energia nuclear, tampouco conseguimos colocar freios na questão militar que está intimamente combinada com a questão ambiental e a questão dos direitos civis, também tampouco conseguimos colocar avanços na questão da criminalização do dano ambiental. No nosso entender, quem pratica crime ambiental, quem pratica dano ambiental está praticando um crime coletivo, um crime que deveria se estender, que é estendido a toda a sociedade no seu conjunto, e deveria ser severamente punido. E aqui quero citar, lembrando a manifestação de ontem, que o movimento ecológico entregou um documento que, oportunamente, distribuiremos entre os companheiros aqui presentes e os Srs. Vereadores, inclusive os ausentes, porque merecem ter acesso a esse documento dada sua importância, que é um manifesto aos constituintes do nosso Estado. E isso aí está amarrado a essas deliberações da Constituinte Estadual à nossa Lei Orgânica. Espero que realmente nós consigamos alguns avanços na Constituinte Estadual em relação à questão ambiental. Que o pensamento ecológico, a concepção que aqui tentei colocar apenas em alguns aspectos, perpasse realmente o espírito da nova Legislação estadual. Tenho sérias dúvidas quanto a isso.

Por último, finalizando, quero alertar para que a questão da ecologia não se torne um modismo. O sistema capitalista e os seus prepostos, aqueles que o reverenciam, tentam cooptar, inclusive, a linguagem dos ecologistas. Hoje se vende ecologia pela televisão e em qualquer lugar, e todo o mundo, de repente, virou ecologista. Está-se fazendo um grande comércio, esta é que é a verdade, porque na prática esse modismo apenas vem reforçar a ideologia dominante e os esquemas de dominação e exploração vigentes no nosso sistema. Nós temos que resgatar o pensamento ecológico radical - ele realmente se coloca hoje de uma radicalidade enorme. As soluções que ele propõe têm que ser a longo prazo, no entanto, as tarefas têm que ser iniciadas urgentemente. Ontem já deveriam ter sido iniciadas! Portanto, é urgente que os políticos, os que representam os setores na sociedade, os que têm nas suas mãos as decisões, encarem esse problema. E, para concluir, quero citar uma pequena frase de um companheiro do movimento ecologista, companheiro João Paulo Capobianco, da Fundação SOS Mata Atlântica, que diz, numa reportagem no jornal de hoje: “Verdes vão opinar sobre créditos ao Brasil”, referindo-se aos empréstimos do BID ao governo brasileiro e seus projetos, e diz que “é impossível obter ganhos ambientais concretos com o atual modelo de desenvolvimento do País. Há um grande perigo em transformar a problemática ecológica em moda ecológica”. Com isso, encerro minhas palavras, esperando que sirvam para uma reflexão sobre esse problema. Muito obrigado. (Palmas.)

(Não revisto pelo orador.)

 

O SR. PRESIDENTE: Encerrados os pronunciamentos das diversas representações desta Casa, temos a honra de conceder a palavra ao Presidente da AGAPAN, Sr. Celso Marques.

 

O SR. CELSO MARQUES: Exmo Sr. Ver. Isaac Ainhorn, Vice-Presidente da Câmara Municipal de Porto Alegre, Deputado Erani Müller, Caio Lustosa, companheiro Fernando, Professor Tuiskon Dick, companheiros do movimento aqui presentes, Vereadores.

O Dia Mundial do Meio Ambiente foi instituído pela ONU, em 1972, por ocasião da realização da célebre conferência de Estocolmo onde, pela primeira vez, a oficialidade do mundo reconheceu algo que os ecologistas já vinham levantando há muitos anos, a degradação ambiental. Aqui em Porto Alegre temos uma tradição de luta ambiental que remonta ao final da década de 1930, com obra do Henrique Luiz Roessler, um dos pioneiros do movimento ecológico, não apenas nacional, mas internacional. A obra de Roessler teve continuação com seus seguidores que, após a sua morte, fundaram a AGAPAN, a AGAPAN foi fundada em 1971 e desde então vem desenvolvendo suas atividades aqui em Porto Alegre. As atividades da entidade que eu presido encontraram uma ressonância na coletividade porto-alegrense, na coletividade gaúcha, na coletividade brasileira e essa ressonância foi tão grande, especialmente no trabalho do Lutzenberger. Mas não apenas do Lutzenberger senão de um grupo de pessoas que estiveram sempre junto com ele e algumas delas inclusive estão aqui presentes. A obra do Lutzenberger, o trabalho do Lutzenberger e o trabalho de seus companheiros na AGAPAN encontraram uma ressonância tão grande que no ano passado o Lutzenberger recebeu a maior homenagem do mundo que um ecologista pode aspirar que foi o Prêmio Nobel Alternativo que foi dado pelo Parlamento Sueco.

O exemplo do Lutzenberger é muito ilustrativo, mostra que nós na nossa pequena Porto Alegre, neste rincão, que um amigo meu chamava de Bico do Meridiano do Sul do Brasil, nós aqui na nossa pequena Cidade, fazemos parte dessa aldeia global. Nós estamos em conexão com o mundo inteiro e temos os olhos do mundo inteiro, constantemente, nos olhando. Isso é uma possibilidade que a civilização contemporânea com seu grande desenvolvimento técnico apresenta a nós.

Isso é muito reconfortante para nós, ecologistas; sabemos que as nossas lutas estão sendo acompanhadas por olhos do mundo inteiro. Essa Câmara também tem sido alvo das nossas lutas e eu teria, inclusive, a lamentar a pequena presença, pouco expressiva de Vereadores, apenas a presença de alguns Vereadores que nós sabemos que são notoriamente interessados pela questão Ambiental e a ausência do maior número expressivo de Vereadores neste momento, porque nesta Casa tem sido tomadas decisões políticas muito importantes, que afetam a qualidade de vida de Porto Alegre e em diversas oportunidades esta Casa tem tomado posições que são contrárias às posições defendidas pelos ecologistas.

Eu queria colocar a reflexão de todos aqui presentes, que nós estamos vivendo realmente um período excepcional em termos de história humana, e que é um verdadeiro privilégio vivermos no século XX, pelas possibilidades que ele descortina para o nosso futuro, enquanto cidade, enquanto coletividade, e também pelos perigos que ele encerra.

Certamente diversos oradores, que já me antecederam, colocaram e certamente todos os senhores têm conhecimento que a questão ecológica representa talvez o ponto de reversão mais importante da história da humanidade. Que pela primeira vez nós temos realmente possibilidade de destruir de maneira irreversível o sistema de suporte de vida do planeta, inviabilizando a vida humana, porque a vida humana necessita de um grau de complexidade biológica, que outras espécies talvez não necessitem, mas que nós necessitamos, para nossa sobrevivência. Existe um conceito que tem se difundido amplamente em vários campos, que é o conceito de organização de complexidade, também o conceito de entropia que teve grande difusão na física, na termodinâmica, e que apresenta uma série de analogias surpreendentes como a forma como se dão os processos informacionais e comunicacionais e também a forma como se organiza o mundo vivo na sua ordem de complexidade crescente. Existem, hoje, elementos que parece que nos permitem vislumbrar uma série de estruturas comuns no universo físico que apresentam certas analogias muito surpreendentes com o universo da comunicação. E um dos pontos que eu queria chamar a atenção para este aspecto é que o conceito de entropia representa uma perda irreversível de energia que se dá através da realização do trabalho, chamada degradação da energia. No plano da natureza, se nós temos um ecossistema extremamente complexo que se desenvolveu ao longo de uma escala de tempo longa, a partir do momento em que o homem começa a atuar sobre este ecossistema na forma predatória que caracteriza a nossa civilização, esta complexidade começa a ser cada vez mais reduzida e simplificada, representando uma perda irreversível. Da mesma forma como a energia que uma vez ela é degradada, ela não consegue mais ser aproveitada e reintegrada para realização de trabalho. Da mesma forma as nossas palavras, as nossas mensagens. E nós vivemos, hoje, um problema muito sério que é exatamente o fato de que nós estamos inundados de palavras, nós vivemos um verdadeiro oceano de palavras que se repetem, às vezes quase que mecanicamente, que dão a impressão de que os homens se transformaram em robôs, que repetem e repetem e repetem palavras que têm muito significado, mas eles repetem palavras sobre as quais eles não entendem o significado. Caracterizando, também, uma perda de informação, caracterizando uma perda irreversível desta matéria prima da inteligência que é a informação. Perdendo o tempo, deixando que o tempo se escoe e que as oportunidades vão se perdendo. Nós estamos muito acostumados a enfatizar os ecologistas sempre no problema dos recursos renováveis, da perda irreversível de complexidade biológica. Geralmente nós não estamos muito acostumados a pensar na contrapartida que pode assegurar um efetivo progresso da humanidade que representa a preocupação e o cuidado com os recursos humanos, ou seja, com a inteligência, que é o supremo recurso que o homem dispõe. Inteligência que pressupõe um cuidado com a linguagem, com as palavras e, sobretudo, não só com as palavras, mas com a ação. O que está nos faltando é a ação, nós vemos que se repetem, todos os anos, esses dias Mundiais do Meio Ambiente, desde a década de 1970, e vemos pouquíssima ação. Dou um exemplo: o Brasil perde 500 milhões de toneladas de solo fértil, por ano, com sua agricultura, e produz, a cada ano, 70 milhões de toneladas de grãos, ou seja, para cada quilo de cereal produzido, perdemos 7 kg de solo. Isso, só citando um exemplo que caracteriza uma situação completamente irracional, e o Governo do Estado, e do Brasil, não tem nenhum programa efetivo de controle de solos, de erosão de solos. E assim, vemos uma ineficácia total, do Estado, no sentido de assumir as suas obrigações, no sentido de trabalhar para o bem da coletividade; vemos o Estado sempre submisso aos interesses das minorias que detêm o poder. Eu queria chamar a atenção para vocês, que nós, com esses problemas todos que vivemos, freqüentemente, pensamos: será que o homem ainda é viável? Será que temos salvação? Será que vale a pena continuar lutando, quando os problemas se avolumam de uma maneira tão espantosa, tão gigantesca, e as nossas maneiras de pensar, formas de nos organizar, e os critérios que usamos para tomar decisões, a racionalidade do nosso sistema político e econômico está tão defasado? Confesso que é uma questão que seguidamente me ocorre, será que já não perdemos essa parada, ou teremos possibilidades? Gostaria de lembrar a citação do Giovani Gregol, do Cacique Seattle. No início do discurso, ele diz assim: “minhas palavras são como as estrelas, elas não mudam”. Que diferença do discurso desse índio, para o nosso discurso! As nossas palavras são tão mutáveis, as nossas palavras se perdem. O índio, naquele discurso, exemplifica, de maneira extraordinária, como que o homem branco é um produtor de desordem na natureza, é um produtor de entropia, quando ele diz que para o homem branco o lugar é igual a qualquer outro, ele passa e não se preocupa com a terra onde estão enterrados os seus antepassados, não se preocupa com a terra que seus filhos irão herdar, ele vai destruindo tudo, vai fazendo um deserto onde ele passa.

Acho muito importante esta valorização que hoje temos graças ao pensamento ecológico, do pensamento indígena e também acho muito importante outros aspectos da questão ecológica e que já foram abordados aqui e que não irei mencionar, mas é importante a questão da liberdade, nós não podemos realmente ter muita esperança de sobreviver se cada indivíduo não se transformar num ecologista, especialmente, os homens públicos que exercem o poder em nome do povo e que têm uma responsabilidade muito grande. Nós, em Porto Alegre, temos uma peculiaridade, para muitos nós somos um verdadeiro mito brasileiro, como sendo a Capital da Ecologia Brasileira. Mas, curiosamente, parece-nos, também assim como temos o melhor em certos momentos, que temos o pior. Se por um lado Lutzenberger recebeu o Prêmio Nobel Alternativo, isto representa a maior homenagem que um ecologista possa receber, esta mesma Câmara Municipal que votou nos projetos de mudança no Plano Diretor, que votou no Projeto Praia do Guaíba, etc, recebeu do Instituto Argentino de Investigação da História, de Arquitetura e do Urbanismo na América, o título, todos os que votaram, incluindo o Prefeito anterior, receberam o Prêmio Átila, que foi o prêmio dado simbolicamente àqueles que fazem o maior mal, causam a maior degradação ambiental nas Américas.

Eu queria colocar aqui aos presentes, agradecer esta oportunidade que esta Câmara Municipal abriu nos cedendo este espaço porque somos cidadãos gaúchos e nós temos como obrigação e necessidade freqüentar este ambiente aqui da Câmara. Nós reconhecemos neste ambiente que é um ambiente legítimo que nos representa, mas acho muito importante que esta Casa manifeste mais sensibilidade e mais radicalidade nas suas posições em relação a problemas ambientais da Cidade. Eu acho que é muito simples, basta cada vereador pensar e escutar mais os ecologistas e pensar mais nos interesses da coletividade como um todo, pensar no futuro, assumir a sua responsabilidade e como ser humano, livre, assumir plenamente a sua liberdade, e sempre votar inspirado na idéia do bem, inspirado na idéia do interesse supremo que é sempre o bem coletivo. Muito obrigado.

(Não revisto pelo orador.)

 

O SR. PRESIDENTE: Antes de passar a palavra ao ex-Vereador Caio Lustosa, nós gostaríamos de passar a coordenação dos trabalhos ao Ver. Gert Schinke, que encaminhará os demais momentos dessa Sessão, e registrar que esta Câmara, a Mesa desta Casa e esta Câmara, têm presente primeiramente a importância e a relevância do ato que hoje se desenrola aqui nesta Casa. E segundo aspecto tem presente a importância que vive, no momento atual esta Casa, da responsabilidade que tem em relação à elaboração da Nova Lei Orgânica da nossa Cidade, que terá um papel muito importante com relação aos pontos aqui enfocados. Muito obrigado. Eu tenho a satisfação que o Ver. Gert Schinke abra os trabalhos dessa Sessão.

 

O SR. PRESIDENTE (Gert Schinke): Com a palavra, o ex-Vereador Caio Lustosa.

 

O SR. CAIO LUSTOSA: Ver. Gert Schinke, no exercício da Presidência desta Sessão alusiva ao Dia Mundial do Meio Ambiente, ilustres integrantes da Mesa, ilustres Vereadores, integrantes do secretariado da Administração Popular, companheiros e companheiras. Prometo ser bastante comedido nesta intervenção, já a noite se faz avançando, e só para situar em ligeiras palavras a posição da SMAM, nessa gestão que ora se inicia, referente às questões ambientais da Cidade. Desnecessário dizer da amplitude e da gravidade dessas questões, elas são uma constante. Aliás, nos grandes centros urbanos deste País, que enveredaram para um tipo falso de desenvolvimento, que hoje colhe os frutos de todos esses desacertos quer nos campos, quer nas cidades, não é hora de fazermos essa avaliação. Mas, a administração da Frente Popular, e não a SMAM isoladamente, mas o conjunto das Secretarias, a começar pelos titulares do Executivo, Prefeito e Vice-Prefeito têm consciência de que a questão ambiental é a questão que transcende a todas as pastas, a departamentos, a setores da burocracia, que merecem o atendimento mais pronto, justamente pelas ações com recursos escassos, quer em pessoal, quer em material, financeiros para o atendimento. Não vamos encucar responsabilidades e azares, graves, em decurso de administrações anteriores. Mas, o propósito da Administração Popular, isso vimos fazendo na SMAM, desde 1º de janeiro, é de arrolar todos esses problemas, e o rol desses problemas vai-se agigantando dia a dia: a questão do lixo é flagrante, grave, os próprios hospitais, uma contradição tremenda, que seriam lugares de limpeza, de asseio, de recuperação da saúde, são grandes poluidores dentro desta Cidade.

Para 250 praças tem-se menos de 50 jardineiros; temos repetido isso constantemente, para manter, limpar, gramar, zelar por 100m2 de área verde dos mil e tantos hectares que cumpre a administração municipal zelar. O quadro então é sério e não há neste pronunciamento nenhum sentido de súplica, de queixume, mas uma constatação de uma realidade e assunção de uma responsabilidade que é de todos, que é do Executivo, é do Legislativo, é da Cidade por inteiro. Ainda ontem à tarde, no meio do expediente, nos telefonava, num telefonema que nos deixou profundamente comovidos e até chocados, o poeta Mário Quintana, este verdadeiro monumento da Cidade, a reclamar que uma árvore no passeio da Lima e Silva que ele adotara com todo o empenho, na administração passada, fora vandalicamente destruída. Isso, se ao mesmo tempo nos choca, nos impulsiona a dedicar o resto das energias de que se dispõe já ao meio da existência, para tentar acrescentar algo a esse trabalho que realmente quer enfrentar a questão ambiental no grande centro, é um trabalho gigantesco. O velho Mário Quintana, do alto dos seus oitenta e tantos anos ainda se preocupa com uma árvore destruída, demolida, abatida no passeio público, e se dispõe a telefonar para um órgão público à procura de uma reparação, de uma reposição, como nós, que tanto lutamos, tanto militamos nestes anos todos, a princípio como subversivos até, dentro do esquema da repressão e, depois, já num processo de abertura, com mais diálogo, mais debate, vamos nos furtar a isso? Isso nos chama a aumentar a nossa responsabilidade, a assumir mais ainda a nossa responsabilidade e a refletir diante de um episódio como este, de que esta Cidade tem energias, tem possibilidades de enfrentar esse espetáculo de quase barbárie que assola o espaço brasileiro. Então, em suma, é com essa colocação - e o Dia do Meio Ambiente não é um dia de festa, mas é um dia de discussão - que nós viemos até este Legislativo certos de que temos muito ainda a discutir, a propor, a definir responsabilidades, Projetos, e que, antes de tudo é necessário, também, muitas vezes, de parte do movimento ecológico - por que não? - uma revisão, uma autocrítica das suas posições, das suas manifestações. Por exemplo, aqui eu vejo o companheiro Kruse, do Departamento de Esgotos Pluviais, vivendo um verdadeiro dilema, quase num beco sem saída quando, por força de uma ação popular, legítima na sua propositura, se vê compelido a suspender uma obra pública que foi buscada, reclamada, anos a fio por uma comunidade. Claro, o Projeto da obra é antiecológico, mas o dilema se colocou entre evitar que as próximas chuvas de inverno levem essa comunidade de roldão e ela fique mais uma vez debaixo d’água, ou atender rigidamente às postulações da Legislação ambiental que exige um estudo de impacto prévio, uma série de requisitos. E aí é de se questionar se essa entidade ambientalista não está agindo de uma forma elitista ao recorrer - repito, com toda justeza - aos meios legais, aos meios judiciais, mas sem o respaldo maior que é o da coletividade circundante. Não será um ato de espontaneísmo, de dirigismo, para cima da comunidade, tentando impor normas ecológicas rígidas, sem entender a dimensão humana da comunidade que, afinal, viceja em torno dos Riachos Areia e Cavalhada? É hora de se quebrar essas barreiras, essas falsas contradições entre a luta social e a luta ambiental porque o homem é um organismo vivo pertencente ao mundo natural, tem as suas necessidades de ordem cultural e econômica imediatas, e num caso como esse exigem não apenas um posicionamento estreito, mas uma visão, uma dimensão ecológica num sentido mais amplo. Concluindo, companheiro Presidente, Ver. Gert Schinke, já me alonguei mais do que devia, mas a preocupação e o interesse que temos em equacionar os problemas ambientais da Cidade nos induzem a extravasar a paciência dos Senhores. Finalmente, agradecemos o empenho dos que aqui participaram nesta Sessão e esse agradecimento é formulado, com toda a certeza, em nome do Prefeito Olívio Dutra que, com outros compromissos, não pôde estar nesta tarde-noite aqui na Câmara Municipal. Muito obrigado. (Palmas.)

(Não revisto pelo orador.)

 

O SR. PRESIDENTE: Antes de convidar os companheiros que irão explanar algumas questões para nós sobre a Lei Orgânica, concedo a palavra ao Prof° Tuiskon Dick.

 

O SR. TUISKON DICK: Ao saudar o Sr. Presidente dos trabalhos, ver. Gert Schinke, estou saudando, também, os demais membros da Mesa e os que estão presentes neste Plenário. A Universidade Federal do Rio Grande do Sul não poderia estar ausente desta solenidade. O Reitor não está em Porto Alegre e, na qualidade de seu substituto, achamos, não importante mandar um representante, mas nós mesmos virmos aqui. A Universidade Federal do Rio Grande do Sul acha que a atividade ambiental que é desenvolvida no meio em que ela está inserida e, principalmente no Município de Porto Alegre, é tão importante que ela não pode estar ausente desse processo. Há poucos meses, quando iniciou a gestão o nosso caro Vereador Caio Lustosa na SMAM, eu o procurei oferecendo-lhe os préstimos da Universidade. Recebi bem recentemente a programação da Secretaria quanto às atividades ambientais do Município e em breve, isso pode ser amanhã, logo depois, poderemos iniciar esse trabalho de colaboração em vários projetos existentes desde o monitoramento do Guaíba, dos afluentes do Guaíba, que achamos muito importante até o monitoramento do ruído da Cidade, isso poderemos fazer em conjunto. Uma série de outras atividades de ordem prática e objetiva, mas uma mensagem, uma informação eu gostaria de deixar aqui - não vim com essa intenção - que é a seguinte: a Universidade Federal do Rio Grande do Sul, desde 1974, através de seu NIDECO, do Núcleo Interdepartamental de Estudos Ecológicos, iniciou o trabalho no sentido de formar especialistas, ecólogos, mas também contribuir para estudos ambientais no Estado. Entre sua primeira atividade importante foi a implantação da Estação Ecológica que nós implantamos juntamente com grande número de companheiros, ela está aí hoje a ser defendida e a ser imitada. Da mesma forma instalamos a estação ecológica de Aracuri-Esmeralda. Isso são coisas passadas. O que estamos fazendo hoje? Eu posso comunicar ao Plenário, aos distintos Vereadores e autoridades aqui presentes que a Universidade Federal do Rio Grande do Sul está implantando a reserva ecológica da Universidade, num âmbito da Cidade, de 322 hectares, no Morro Santana, em toda a área do Campus que a Universidade não pretende mais utilizar para construções. Esta reserva ecológica vai ser certamente uma das áreas verdes mais importantes da cidade de Porto Alegre, que está expandindo violentamente em todos os vales que confluem para esta área. Esta reserva ecológica vai ser acompanhada pelo Jardim Botânico, que também está sendo implantado com 12 hectares e nós temos certeza que com a Administração Municipal podemos expandir aquela área verde tão ameaçada por pedreiras, e nós sabemos dos projetos das pedreiras, e gostaríamos que eles fossem associados com a reserva ecológica e, eventualmente, envolvendo também o Município de Viamão. É uma área extremamente importante, é o morro mais elevado da Cidade, que é o Morro Santana. E, desta forma, através da reserva ecológica, vai ser uma área não só de preservação, mas, também, de estudos. E muita coisa já se fez lá. Nós pensamos em salvar uma parte da área verde da Cidade. É esta a contribuição que o Estado do Rio Grande do Sul pode neste ano, neste momento, neste dia que simboliza ao lado dos outros 364 dias significativos, a preocupação em torno do meio ambiente. Esta mensagem eu gostaria de deixar e lamentavelmente tenho que me retirar, pois um outro compromisso me espera desde às 19h. Lamento não poder participar do debate e nem considerem isso uma desconsideração o meu afastamento, agora, deste recinto. Eu estou muito contente por ter participado da Sessão. São poucos aqui presentes, mas muito mais valem pela qualidade e pelas coisas que foram ditas, tenho certeza que em futuro próximo e mais distante a nossa Universidade poderá colaborar mais intensamente com as autoridades deste Município bem como as autoridades do Estado na preocupação, no trabalho em cima do meio ambiente que nos preocupa a todos. Muito obrigado (Palmas).

(Não revisto pelo orador)

 

O SR. PRESIDENTE: Eu convidaria a fazer parte da Mesa o companheiro Carrion e o companheiro Udo Mohr para explanar algumas questões relacionadas com a Lei Orgânica Municipal.

Eu proponho a seguinte sistemática dos trabalhos. Vamos ter que ser mais sucintos do que imaginávamos. Vamos conceder a palavra ao companheiro Eduardo Carrion em torno de 15 minutos, porque a nossa idéia é dar um chute inicial na discussão que vamos, evidentemente, voltar a fazer aqui, mas com mais minúcia, tentando aprofundar mais, na medida em que ainda temos em curso o processo da Constituinte Estadual. Com a palavra, o companheiro Eduardo Carrion.

 

O SR. EDUARDO CARRION: Prezado Ver. Gert Schinke, que preside esta Sessão em comemoração ao Dia Mundial do Meio Ambiente, estimado Secretário Municipal do Meio Ambiente, Caio Lustosa, companheiro de painel Udo Mohr, prezados amigos que comparecem a esta Sessão. Eu acompanhei atentamente as diversas exposições, e digo que elas acrescentaram bastante para todos nós, diversas facetas e aspectos da problemática ecológica, acho que pouco restaria a dizer. Em função do adiantado da hora, do cansaço já manifestado em Plenário, gostaria apenas de pinçar algumas idéias soltas, e finalizar alguns aspectos no que se refere à elaboração da Lei Orgânica Municipal. Fugindo completamente ao roteiro que havia me fixado, e tentando me adaptar às circunstâncias desse final de Sessão, gostaria de chamar a atenção para alguns detalhes. Em primeiro lugar, uma preocupação que perpassa a maior parte das exposições feitas anteriormente, sobretudo, no discurso do Ver. Gert Schinke, quando ele faz a crítica ao consumismo da sociedade atual, eu acho que se coloca uma questão essencial que preside o modo de produção capitalista e a necessidade de inverter a equação econômica deste modo de produção. Em outros termos: o que ocorre no modo de produção capitalista? O valor de troca prevalece sobre o valor de uso, o que se precisa é resgatar exatamente o valor de uso. Este imperialismo do valor de troca faz com que se fabrique a obsolescência, isto é, se reduz inclusive a vida útil dos produtos, é algo planejado, fabricado. Os automóveis, por exemplo, eles tinham uma durabilidade média há alguns anos, algumas décadas em torno de 15 a 20 anos. Então se fabrica uma durabilidade até 10 anos, que era média há uma década atrás. Hoje é em torno de 8 anos, quer dizer, esta prevalência, esta obsolescência fabricada, reduzindo a vida útil do produto, então há necessidade de realçar a importância exatamente do valor de uso, mas a qualidade do produto, o que fabricar, o que fazer de forma a resgatar uma relação com a natureza - uma relação saudável - e daí a crítica incisiva que foi feita em diversas manifestações exatamente ao nosso modo de produção capitalista, a nossa sociedade capitalista marcada por esta prevalência, por este imperialismo no valor de troca.

A questão ambiental, a idéia de defesa da natureza não é uma idéia nova, recente. Nós já encontramos na antigüidade egípcia, inclusive na legislação no sentido da defesa do meio ambiente, entretanto há uma mudança de perspectiva na atualidade, por que? Porque na sociedade industrial - me refiro aos dois últimos séculos - os males provocados pelo processo industrial eram percebidos como uma doença infantil do processo industrial, cujos remédios eram esperados pelo próprio desenvolvimento econômico, a superação deste desvio infantil do processo industrial. Bem, em que aspecto houve uma mudança radical de perspectiva na questão ecológica, sobretudo na segunda metade deste século. É que se percebeu que os fenômenos negativos ligados ao processo industrial, ameaçando a própria sobrevivência da humanidade, não se tratava simplesmente de um acidente de percurso do processo industrial, mas passaram a ser considerados como uma conseqüência inevitável do modelo de desenvolvimento econômico adotado. Ora, essa mudança de perspectiva, a percepção inicialmente da questão ecológica como acidente de percurso, como uma doença infantil do processo industrial, concebendo-o agora como uma conseqüência inevitável do processo industrial, alterou as formas de organização política para enfrentar a questão. Em outros termos, a questão ecológica ela deixou de ficar reduzida a sociedades pensantes, às entidades científicas apenas, e se transformou num movimento social. Isso foi o grande salto no plano da organização social, na organização política para enfrentar a questão. Esse movimento social ele tem uma heterogeneidade e um sincretismo flagrantes. Ele incorpora elementos arcaicos, e aqui eu uso o adjetivo arcaico não no sentido pejorativo, ele mistura ou incorpora elementos arcaicos, por exemplo, uma herança do velho milenarismo que já vem lá da Idade Média, ou antes da Idade Média, milenarismo representado no catastrofismo de certas tendências do movimento ecológico. E esse seria um elemento arcaico. Mas elementos modernos, quer dizer, a proposta de mudança no desenvolvimento econômico. Entretanto, o movimento ecológico que é uma nova forma de organização a partir de uma nova percepção da questão ecológica que é uma mudança de perspectiva na percepção da questão ecológica. O movimento social, ecologismo, ele gerou uma consciência ecológica que ultrapassa o próprio movimento e sobrevive a ele. Nós podemos perceber hoje, no plano do desenvolvimento social, um certo refluxo tanto do movimento ecológico, do movimento como o movimento feminista, por exemplo, mas a consciência feminista, a consciência ecológica ultrapassa o movimento que a gerou e sobrevive a ele. Isso é extremamente importante. Os movimentos ecológicos tiveram essa funcionalidade, essa importância fundamental, histórica até, no sentido de gerar uma consciência ecológica que permeia, hoje, toda a sociedade, inclusive a sua legislação. Nesse sentido, o movimento ecológico ganhou em extensão, na medida em que ele gera consciência ecológica, mas ele ganha também em profundidade, porque a questão ecológica ultrapassa o simples problema da relação homem/natureza, logicamente esta não é uma relação imediata, é mediata, porque é uma relação homem/homem, mas não se limita simplesmente a questionar e problematizar a questão do meio ambiente, mas aprofunda essa temática, implicando ou se desdobrando na questão do estabelecimento de novas relações entre os homens. Então, envolve desde a questão do consumidor - já é um alargamento - e questões das relações mais imediatas e democráticas de uma sociedade. Assim, traduz-se numa proposta de um novo modo de vida, inclusive. Daí também que o movimento ecológico, volto a insistir, não só ganha em extensão, na medida em que ele se desdobra em consciência ecológica, mas ele ganha em profundidade, na medida em que a questão ecológica se torna mais abrangente, mais larga, ganha e permeia finalmente as próprias relações democráticas na sociedade ou propõe uma alternativa democrática de relação entre os indivíduos na sociedade.

Nesse sentido a questão ecológica assume uma dimensão essencialmente política - isso ficou bastante realçado nas manifestações que foram feitas pelos representantes nas diversas Bancadas. Uma dimensão essencialmente política, que não está à margem das relações de classe. Em outros termos, se ela - a questão ecológica - não surge, não se apresenta imediatamente, vinculada à contradição principal existente numa sociedade, como a sociedade capitalista, que é a contradição capital/trabalho, ela - a questão ecológica - se coloca à montante e à jusante da relação principal, que é a relação capital e trabalho. Nos países subdesenvolvidos onde os fenômenos negativos ligados à degradação da natureza estão vinculados a um modelo de desenvolvimento dependente periférico, essa dimensão política da questão ecológica ela se realça na medida em que ela atinge interesses do capital internacional. Entretanto em que pese a questão ecológica ser uma questão política e não estar à margem das relações de classe, na medida em que se situa - volto a insistir - à jusante e à montante das relações de classe, tanto antes como depois, ela tem uma especificidade, e essa especificidade é que justifica inclusive o movimento ecológico e toda a batalha da ecologia. Bem, com estas observações iniciais eu queria resgatar alguns tópicos das manifestações anteriores, e sem me alongar demasiadamente apenas gostaria, finalizando, sinalizar alguns aspectos referentes à elaboração da Lei Orgânica. Nós observamos na Nova Constituição, na Constituição Federal, pela primeira vez a incorporação da questão ecológica, uma incorporação explícita em que pesem as derrotas parciais que houve no desenrolar do processo constituinte já realçados anteriormente pelo próprio Ver. Gert Schinke. Nós observamos no capítulo específico da questão ecológica a consagração do chamado direito ao meio ambiente, um direito essencial consagrado nesta Nova Constituição. O direito ao meio ambiente saudável que tem tanto um aspecto positivo como um aspecto negativo. O aspecto positivo é a necessidade de intervenção estatal no sentido de preservar ou recuperar o meio ambiente. É um direito que o cidadão tem de exigir do Estado esta intervenção no sentido de preservar ou recuperar o meio ambiente danificado pela própria ação do homem, ou eventualmente danificado pela intervenção de eventos naturais. Este é o aspecto positivo do direito ao ambiente, que é um direito genérico, e o direito ao ambiente saudável tem tanto um aspecto positivo como um aspecto negativo. O aspecto positivo é a necessidade da intervenção estatal no sentido de preservar ou recuperar o meio ambiente. É um direito que o cidadão tem de exigir do Estado essa intervenção no sentido de preservar ou recuperar um meio ambiente danificado pela própria ação do homem ou, eventualmente, danificado pela intervenção de eventos naturais. No aspecto negativo, o direito meu, de cidadão, de impedir a ação do Estado ou de terceiros no sentido da degradação do meio ambiente, inclusive consagrando a idéia de um crime ecológico. Então, por um lado o aspecto positivo de eu exigir uma intervenção do Estado, por outro lado o aspecto negativo de eu impedir uma ação do Estado ou de terceiros no sentido da degradação do meio ambiente. Então, isso é extremamente importante e o artigo que se desdobra em números, itens, incisos e parágrafos é exatamente o art. 225, da nova Constituição. Além disso, nós observamos, na nova Constituição, uma extensão das competências do Estado membro e dos Municípios em matéria de meio ambiente. Sejam competências administrativas, são as chamadas competências comuns, previstas no art. 23, competências comuns da União Federal, dos Estados membros e dos Municípios, como as competências legislativas concorrentes entre a União Federal e os Estados membros, algo inédito em relação à nossa tradição constitucional, extremamente importante. E além disso, um realce também do Poder Legislativo, através das suas competências legislativas exclusivas na questão ambiental. É verdade que não se definiu uma política energética que dispensasse um investimento nessa tecnologia pesada, como foi caracterizada e qualificada a energia nuclear. Quer dizer, a opção pelo nuclear se manteve em aberto e vocês sabem que uma opção pelo nuclear implica investimentos de longa maturação, comprometendo inúmeras gerações e segundo algumas análises inclusive cria um estado policial, porque é tal a vulnerabilidade da energia nuclear que ela implica um aparato policial e militar para assegurar a segurança das instalações nucleares, isso aí pode-se desdobrar, num segundo momento, numa sociedade policial militarizada ainda mais do que aquela a que nós estamos acostumados. Em que pese isso, de qualquer forma há um controle legislativo de qualquer iniciativa governamental no âmbito da energia nuclear. Isso é importante. E eventualmente até a possibilidade de uma consulta popular. O Congresso Nacional tem a prerrogativa de definir a utilização da consulta popular. Há uma cultura política, hoje adquirida em nossa sociedade, que em matéria de instalação de centrais nucleares as populações concernidas, afetadas mais imediatamente seriam consultadas. Inclusive, houve um projeto aqui na nossa Assembléia Legislativa nesse sentido e esse projeto foi renovado recentemente. Em termos de competências administrativas ou legislativas, houve uma ampliação considerável em matéria de meio ambiente. Quer dizer, não caberá, simplesmente, à União, através do Congresso Nacional ou através do Executivo, definir diretrizes, parâmetros para atividade que tenha uma incidência no meio ambiente. A própria ordem econômica, na sua definição, prevê o respeito ao meio ambiente. É uma afirmação genérica, evidentemente, mas é um princípio importante. A ordem econômica tem que se balizar, se sinalizar, entre outras coisas, pelo respeito, pela preservação do meio ambiente. Há um instrumento extremamente importante que foi reivindicado no processo constituinte, é a extensão da ação popular, isto é, a ação popular, hoje, é um instrumento constitucional, um instrumento processual a ser utilizado, eventualmente, para defesa do consumidor, para a preservação do meio ambiente, para a preservação do patrimônio histórico, artístico, cultural, etc., então isso é extremamente importante. A nova configuração desse instrumento institucional, desse instrumento processual chamado ação popular. Voltando a insistir, a ampliação das prerrogativas do Município nessa matéria, seja através das competências concorrentes, seja através da competência legislativa supletiva. É previsto, além disso, no plano municipal, que o planejamento econômico, certas diretrizes a serem definidas pelo Executivo, eventualmente, com a aprovação da Câmara de Vereadores, deverão ser precedidas pela consulta às associações e entidades da comunidade em questão. Então, essa idéia de um controle social da atividade pública, no capítulo referente, especificamente, ao Município isso é previsto, assim como mecanismos de iniciativa popular, independentemente de matéria.

Ora, o que observamos é que a nossa tradição federalista quando muito atingiu o Estado membro, nunca atingiu o Município. Em outros termos: no máximo do federalismo que foi a República, se caracterizou por uma centralização em benefício dos Estados membros em detrimento dos Municípios. Os nossos Municípios sempre foram capengas. Em função da experiência autoritária recente, a demanda pela descentralização, pelo federalismo, se transformou numa bandeira democrática e a Constituinte foi parcimoniosa, foi modesta no plano do Estado membro, mas ela avançou bastante mais no plano do Município. Então, nós temos no plano do Município essa idéia da incorporação das entidades e associações do planejamento municipal, o que não foi resgatado nem no plano federal nem do Estado membro, num certo sentido acho que se procurou fazer um com os Municípios. Então, a Lei Orgânica ao estabelecer parâmetros para a questão ecológica pode fortalecer essa inspiração municipalista da nossa nova Constituição, desdobrando aqueles princípios em procedimentos, mecanismos, que assegurem de forma mais efetiva a participação comunitária e a defesa do meio ambiente.

Eu finalizo chamando a atenção para a batalha da legislação complementar, a elaboração da Constituição foi o primeiro turno, agora estamos no segundo turno que é a elaboração da legislação complementar e aí eu incluo a Constituição Estadual, a Lei Orgânica do Município, a Legislação Complementar no Plano Federal, a ser elaborada pelo Congresso Nacional, a Legislação Complementar a ser elaborada pela Assembléia Legislativa no plano estadual e a Legislação Complementar a ser elaborada no plano municipal, não só a lei Orgânica Municipal, mas as demais leis a serem concretizadas em Legislação Complementar. É verdade que do ponto de vista da sociedade das classes desfavorecidas, a luta continua no sentido da concretização daqueles princípios genéricos. Então, a batalha da Legislação Complementar em primeiro lugar. Em segundo lugar, o problema da prática constitucional. Mesmo inexistindo a Legislação Complementar se coloca uma questão extremamente importante que tem, inclusive, criado inúmeras polêmicas entre os juristas, a questão da eficácia da norma constitucional, não a eficácia jurídica que pode ser concretizada através da Legislação Complementar. Mas, além da eficácia jurídica, a eficácia social da norma constitucional ou da norma jurídica como um todo. Porque a norma jurídica tem uma função ideológica, também. Eu volto a insistir. Muitas vezes a norma jurídica é elaborada não para regular as relações sociais, mas para justificar o status quo e a sua função ideológica, que muitas vezes não é uma função simplesmente residual mas principal, a norma jurídica expedida, elaborada para exercer principalmente ou exclusivamente a sua função ideológica. E, aí, há um grande risco de, mesmo inexistindo a Legislação Ordinária Complementar, esta norma jurídica não ser concretizada, ela não ter eficácia social, ela não ser respeitada pelo Poder Público, ela não ser respeitada pelos particulares. E a maior ou menor eficácia social, a maior ou menor aplicabilidade da norma jurídica vai depender das relações de forças políticas existentes na sociedade, logicamente, da sociedade organizada, da consciência ecológica, existente ou não, de uma consciência ecológica mais sistematizada ou não, das associações e das entidades envolvidas com a questão ecológica, com a questão dos Direitos Humanos, etc. Então, a batalha, também, para assegurar a concretização dos dispositivos legais no dia-a-dia da sociedade.

Eu termino com esta observação. Muito obrigado.

(Não revisto pelo orador.)

 

O SR. GIOVANI GREGOL: Eu gostaria de dar dois avisos. O primeiro é que terei que me retirar, infelizmente, porque tenho mais duas reuniões. Agradeço, aqui, como Vereador, a presença e despeço-me dos companheiros e das autoridades presentes.

Em segundo lugar, é um recado, que não pude fazê-lo da tribuna, do Ver. Omar Ferri, que me pediu que justificasse publicamente a sua ausência, mas que ele tinha um programa de televisão a gravar e marcado com bastante antecedência; em terceiro lugar, a Professora, representante da SMED, deixou um abraço a todos, mas, em especial, ao Ver. Gert, como proponente da Sessão.

 

O SR. PRESIDENTE: Agradecido. Eu também tenho a obrigação de fazer dois registros: o primeiro, o nosso enorme agradecimento, de todo o coração, ao corpo funcional da casa, especialmente, às taquigrafas, que nos dão a garantia de reprodução dos depoimentos feitos aqui. Em segundo lugar, gostaria, para efeito de registro, mencionar as pessoas aqui presentes: Profª Ana Maria F. Sachêt, representando a SBPC; Profª Neusa Hickel que representava a Profª Esther Pillar Grossi, da SMED; companheiro Profº Fernando Gossmann, representando a Feplan; Arquiteto Francisco Thormann, Sindicato dos Arquitetos do RS; companheiro Carlos Comassetto, representando a SARGS; companheiro Francisco Milanêz, representando a Sociedade de Biologia do RS; companheira Miriam Low, Movimento de Defesa dos Parques da Cidade, companheira Elcite Almann, do Núcleo de Ecologia do CPERS, e companheiro Carlos Sander, representando a Comissão Executiva do Elán e Flea. De imediato, e assim encerramos a nossa atividade, e que ainda vai ser registrado, para depois passarmos este material, como foi muito bem lembrado pelo companheiro Udo, aos demais Vereadores da Casa que devem ter isso bem presente, as nossas preocupações. Com a palavra, o companheiro Udo.

 

O SR. UDO MOHR: Srs. Vereadores, irei dispensar apresentações e vou diretamente até convidar os companheiros que aqui estão e que são companheiros de luta há anos e que se estiverem interessados em se retirar, podem fazê-lo sem constrangimento, devido ao adiantando da hora, porque, na verdade, os registros que se fazem aqui são fundamentalmente necessários para os que estão ausentes e apesar de que grande parte destes papéis vão diretamente para o cesto de lixo, nós acreditamos que um ou outro Vereador folheie as páginas e leia alguma coisa. Então vai aí o registro do que nós gostaríamos de colocar.

Em primeiro lugar, não tenho absolutamente condições de falar sobre Constituinte ou Lei Orgânica, não é o meu assunto, mas, trabalhando nesta questão ambiental, algumas referências poderia dar porque me parecem importantes a serem consideradas. Inicialmente, me parece fundamental dizer que - e foi muito bem colocado pelo Prof° Carrion - a Constituição, como a Lei, não adianta em absoluto se ela não for posta em prática e exemplo flagrante disto é que a antiga Constituição, no ser art. 180, estabelecia explicitamente que cumpria aos Poderes Públicos defender os bens memoráveis, documentos, bens culturais, naturais, etc. Eu não conheço exatamente e nem poderia reproduzir exatamente o texto, mas isto dizia na Constituição e jamais foi posto em prática por qualquer legislador. Existe inclusive um belíssimo comentário sobre este artigo do ilustre jurista Pontes de Miranda que termina dizendo que este artigo tem sido e será inócuo, mas é importante e por isto palmas à Constituição. É exatamente com esta frase que ele encerra o seu comentário sobre este artigo.

Então, acho que evidentemente tanto como a Constituição Federal, Estadual e a Lei Orgânica Municipal não são suficientes, agora elas podem ser prejudiciais. Eu diria que em termos de urbanização urbanística, em termos da questão urbana, a Constituição atual foi extremamente maléfica, porque ela limita aquilo que já se tinha conseguido, assim como com relação à questão agrária, também com a questão ambiental, a nossa Constituição atual é extremamente retrógrada, cumpre às Constituições Estaduais, e à Lei Orgânica Municipal, procurar fazer aqueles reparos que forem possíveis. E como é a nível de Município que as coisas tornam-se concretas, acredito eu na Lei Orgânica, que nós podemos estabelecer uma série de disciplinamentos fundamentais para uma mudança, em matéria de ambiente urbano. Isso se torna importantíssimo na medida em que nós nos damos conta que a grande parte da população hoje, se concentra na Cidade. Se em 1940 nós tínhamos no Brasil uma distribuição de população que registrava 32% de população urbana e os 68% restantes no campo, já na década de 1980 nós invertemos esta situação, e no final da década nós tínhamos 70% da população nas cidades contra 30% no campo. Esse dado seguramente por bastante tempo vai aumentar nesse mesmo sentido. Em função disso, nós temos que dar uma consideração especial às cidades. Quando nós falamos do Município - toda a cidade se enquadra dentro de um Município -, nós temos que considerar que em um Município como o de Porto Alegre, nós não temos apenas áreas urbanas, e que temos, apesar de que o próprio Plano Diretor de Porto Alegre, o Primeiro PDDU, votado e aprovado em 1979, restringe violentamente a área rural, nós temos hoje apenas pequenas parcelas da Cidade destinadas a essa função, porque a maior parte da área rural do Município ficou considerada como área urbana de ocupação extensiva permitindo inclusive loteamentos, nós estamos comprometendo o ambiente rural e o ambiente natural desse Município. Então essa consideração com relação à questão urbana, não apenas como uma questão que diz respeito ao espaço da Cidade é fundamental. Por outro lado, as considerações com relação à Cidade, com relação ao espaço construído da Cidade, devem ser fundamentalmente modificados. Não sei se isso é matéria constitucional, ou matéria da Lei Orgânica, mas deve se achar uma maneira de assegurar que a Cidade ao se assentar sobre sítio natural, e é sempre isso que acontece, ela respeite as características e condições deste sítio. Não podemos, hoje, quando temos absolutamente desenvolvida a ciência ecológica e todas as outras ciências ligadas a ela, quando temos a ciência codificada e cientificamente, estabelecida a ciência urbanística, continuar ocupando áreas como margens e cursos d’água, topos de morros, encostas íngremes de morros, florestas, áreas expressivas de preservação de flora e fauna e outros tantos acidentes naturais que devem ser preservados que, em geral, são absolutamente impróprios à ocupação urbana. Inclua-se entre eles, como muito acontece, a ocupação dos banhados. Aliás, existem programas federais para isso, o Pró-Várzeas é para isso. Essas questões devem ser profundamente examinadas, debatidas e modificadas. Não podemos construir as cidades, expandir as cidades, sobre o ambiente natural da maneira que vimos fazendo. Por outro lado, não podemos, de maneira alguma, continuar fazendo crescer a malha urbana, da maneira que o fazemos, com a uniformidade e a especificidade das zonas diferenciadas. É uma insanidade pensarmos numa cidade organizada em termos de zoneamentos monoespecíficos. No momento em que eu segrego as funções, mato as zonas urbanas: uma zona funciona de dia, outra, de noite; e, nos períodos opostos, elas simplesmente não funcionarão: serão zonas abertas a qualquer tipo de perturbação. Então, precisamos recuperar aquilo que a Cidade tem de mais característico: a sua polifuncionalidade. Quando nós isolamos uma indústria da área habitacional, é porque consideramos essa indústria potencialmente perigosa ou poluente. Ora, temos de permitir que as indústrias fiquem ao lado das áreas habitacionais, porque não podemos encarar uma indústria como uma atividade poluente. Ela não precisa ser poluente. Se encaramos o processo industrial de uma forma fechada, ele é absolutamente viável junto à atividade humana. Enfim, os operários trabalham na indústria, por que eles podem sujeitar-se a uma situação e os moradores da vizinhança e outros deverão ficar isolados? Já tivemos oportunidade em que planos oficiais, produzidos por este Estado, previam - e cito o Projeto do Distrito Industrial de Rio Grande, que previa habitação das três classes. A classe “C” junto às indústrias; a classe “B” um pouco mais afastada e a “A” localizada numa zona absolutamente livre de qualquer emanação industrial. Isso está registrado num livro publicado pela CEDIC. Retiraram do mercado porque era bastante comprometedor, e essa mentalidade, infelizmente, ainda vigora nos níveis da administração pública. Infelizmente nós temos constatado isso em contatos constantes com administradores que ainda pensam desta maneira. Inclusive nas solenidades da Semana do Meio Ambiente nós ouvimos autoridades se referirem ao meio ambiente como alguma coisa absolutamente passível de se transformar num mundo tecnocrata, na tecnosfera. Então essa mentalidade tem que ser radicalmente alterada. Voltando à questão urbana, nós precisamos pensar a cidade como um espaço para a vida do homem coletivamente. Nós precisamos privilegiar os espaços para a vida do homem. Aí nós precisamos pensar os espaços abertos e não pensar apenas nos espaços abertos como espaços verdes, espaços apenas ocupados pela vegetação. São fundamentais os espaços remanescentes de vegetação numa proporção suficiente para a escala da Cidade. No entanto, nós precisamos basicamente de espaços abertos onde a população possa se encontrar; praças onde a concentração de populações seja possível. Ontem fizemos uma manifestação na Esquina Democrática que é absolutamente imprópria para uma atividade como essa, mas é o único local que Porto Alegre conta para isso. Nós assistimos anos atrás o comício pelas diretas naqueles tentáculos daquilo que é a Praça Montevidéu, Borges de Medeiros e outras avenidas. O povo não conseguia sequer ver as pessoas que estavam no comício. Era mais de um milhão de pessoas, se não me engano. E nós precisamos ter espaços para isso na Cidade. Nós precisamos pensar a cidade como um elemento dentro do espaço natural e com respeito ao ambiente natural. Mas precisamos pensar a cidade também como espaço da sociedade humana, um espaço onde as pessoas se encontram. A cidade que nós temos hoje é uma cidade onde o veículo e outros elementos que foram introduzidos na sociedade, expulsam o homem do seu meio. A rua que era o local de encontro, a praça que era local de encontro está hoje ocupada por outras funções e nós precisamos recuperá-las. Finalmente, já me alongo por demais, eu gostaria de colocar quatro medidas que me parecem fundamentais para que possamos reverter este quadro. O primeiro é a questão da educação. Isso é prioritário em qualquer sociedade. Educação significa conscientização. Não uma educação mecânica, uma educação papagaiada, uso este termo porque é exatamente isso que vem se fazendo na maioria dos casos, mas sim, um processo profundamente consciente de aprendizagem, onde o professor conduza na aquisição de conhecimento dentro da realidade. Isso é fundamental e é o primeiro ponto que coloco. O segundo ponto, e imediatamente decorrente disso, é o processo de participação. Se nós não tivermos um povo conscientizado - e aí não adianta trabalhar na educação apenas das crianças, temos que trabalhar na reeducação dos adultos, pois são eles os responsáveis por isso que está acontecendo - nós não vamos ter participação. A participação é básica, não apenas dos representantes de comunidades, dos movimentos organizados, mas de toda sociedade, de todos engajados nesse processo. Em terceiro ponto eu coloco, também como conseqüência desses dois, um processo de planejamento, obviamente um planejamento participativo. E, finalmente, em quarto ponto, a necessidade de introduzirmos tecnologias apropriadas em todos os processos. Se nós, através desses quatro pontos, conseguirmos estruturar a nossa realidade, nós temos um futuro, do contrário, o nosso futuro é negro, é um futuro absolutamente inviável de ser imaginado. Eram estas as considerações que poderia fazer. Muito obrigado.

(Não revisto pelo orador.)

 

O SR. PRESIDENTE (Gert Schinke): Bem, devido ao adiantado da hora, nós vamos terminando por aqui, mas vamos repetir isso aí com mais profundidade, tentando fazer, numa outra atividade, um debate sobre essa questão que se aproxima a cada dia que passa e compete a nós, então, essa responsabilidade tão importante.

Agradeço a presença de todos e encerro os trabalhos da presente Sessão.

 

(Levanta-se a Sessão às 20h46min)

 

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